Correndo além do diabetes. Uma história de ultramaratona. 


 

A diabetes não nos limita e o nosso convidado de hoje, Hugo Almeida, que vive com diabetes tipo 1 desde os 4 anos, prova-o amplamente. Estudante de nutrição e pai de dois filhos, este ultramaratonista fala-nos hoje sobre nutrição e desporto.

Junte-se a nós para descobrir o que é uma ultramaratona, o que levou Hugo a correr, se sua condição de vida teve algo a ver com a escolha desse caminho e muito mais.

CONHEÇA HUGO E SUA RELAÇÃO COM O DIABETES

Eu me chamo Hugo Almeida, tenho 32 anos de idade, filho de pais nordestinos, além de mim, apenas uma prima por parte de pai tem diabetes tipo 1. Sou formado em Administração de Empresas, trabalho organizando os ativos da família e sou diretor executivo do CPD (Correndo pelo Diabetes), uma organização sem fins lucrativos que trabalha para o público com diabetes. Além disso, sou estudante de nutrição. Meus pais sempre foram muito cuidadosos comigo desde o diagnóstico e eles cuidavam de mim muito bem até eu assumir o protagonismo do meu tratamento aos 15 anos, quando o esporte entrou de vez na minha vida. Sou pai de 2 filhos, a Isabella de 11 anos e o Benjamim de 6 anos. Por fim, namoro uma mulher que também tem diabetes tipo 1, a Fabiana. 

Em 1994 fui diagnosticado com diabetes tipo 1 aos 4 anos de idade. Minha família não conhecia nada sobre a doença e foi um baque muito grande para todos. Não lembro bem da época por ser bem novo mas o médico que deu o diagnóstico para minha família orientou para que eu tivesse uma alimentação saudável, praticasse atividade física e usasse corretamente a insulina. Mal sabia eu, nessa época, que ali nascia o Hugo diabético, mas também nascia o Hugo Atleta.

Hoje convivo bem com o diabetes, sigo todas as orientações médicas, me esforço todos os dias para ter um bom controle que me possibilite ter uma boa vida e, assim como nas competições, aceito que alguns dias são ruins, mas que aprendemos muito com eles seguindo firme para celebrar os dias bons.

MINHA NAMORADA TAMBÉM VIVE COM DIABETES

Namorar uma pessoa que também tem diabetes é muito bom, inclusive recomendo. Nos ajudou muito pois nos poupou muito tempo de explicações sobre a doença e o que fazer em casos de hipoglicemias ou hiperglicemias. 

O mais impactante é o fator da empatia. 

Nós sabemos bem o que o outro sente, então temos mais paciência um com o outro em alguns momentos. Mas acho que o mais desafiador, e que fazemos bem, é ajudar um ao outro, porém sem ultrapassar os limites do tratamento de cada um (cada um é seu próprio protagonista).

O ESPORTE

Como fui estimulado a prática de atividade física desde o diagnóstico, fiz ginástica olímpica, taekwondo, futebol de salão, futebol e, por fim, tênis. No tênis competi no circuito infanto juvenil dos 14 aos 20 anos de idade. O diabetes me fez praticar atividade física para melhorar o controle, mas o tênis me fez ser um diabético melhor. Sempre fui muito competitivo, queria dar meu melhor em quadra e sabia que se estivesse com um mau controle, estaria em desigualdade diante dos adversários, então a partir daí, comecei a me cuidar melhor para estar bem nas competições. Aos 20 anos de idade abandonei o tênis competitivo e fiquei apenas malhando na academia para manter a saúde.

Aos 26 anos de idade, a convite de um amigo, comecei a correr em um grupo. Por ter o histórico físico do tênis, rapidamente comecei a correr no ritmo do grupo o que fez a chama da competição subir novamente. Então fui me dedicando bastante às corridas de rua, melhorando meu controle glicêmico (dos 20 aos 26 anos engordei bastante e as glicemias não estavam tão boas quanto antes).

ULTRAMARATONA

Ultramaratona é qualquer distância acima de uma maratona (42,195km ou 26,2mi).

Comecei a correr em distâncias de 21km e me encontrei na distância. Gostava bastante. Em um desafio do meu grupo de corrida, resolvi fazer os primeiros 42,195km, porém não em competição oficial. Finalizei mas fiquei bem cansado e decidi que nunca mais iria correr essa distância, decidi me dedicar apenas aos 21km. Até os 27 anos de idade, não tinha contato algum com outras pessoas com diabetes, mas ao entrar nas redes sociais fui conhecendo diversas pessoas e essas me apresentaram o Bruno Helman (maratonista, vive com diabetes tipo 1 e fundador do Correndo pelo Diabetes).

Bruno me convidou para fazer uma maratona oficial com ele e lá me surpreendi com o resultado. Concluí minha primeira maratona oficial em 3h45minutos, e, o que é melhor, sem estar com muitas dores nem extremamente cansado. Chegando na minha cidade fui conversando com outras pessoas com diabetes e recebi o convite do Fabiano Araújo, triatleta com diabetes tipo 1 que faria 100km em uma prova em Brasília. A partir desses 100km, não parei mais. Hoje tenho como recorde de distância, 135km sem parar e 138km com algumas paradas. E meu melhor tempo em maratonas é de 2h50’08”.

Meu primeiro treinador foi meu antigo preparador físico do tênis, que inclusive é especialista em atletismo. Foi o melhor primeiro treinador que pude ter por entender como tenista e me transportar para a corrida. Após ele, treinei com outras pessoas, até conhecer o Emerson Bisan (estou com ele há 2 anos e é meu atual treinador), treinador e, também, ultramaratonista com diabetes tipo 1. Além de ser um excelente treinador, ele consegue conduzir os treinos e sinalizar as possíveis alterações de glicemia, o que me deixa muito mais seguro. 

Tanto para treinar quanto para realizar ultramaratonas, preciso de muita energia, então a base da alimentação vem de carboidratos. Hoje mantenho minhas doses basais em 100% e me alimento bastante. Geralmente, apenas corrijo com doses de ultrarrápida menores pois a atividade física ajuda bastante a baixar a glicemia. Sempre verão comigo em treinos, bastante água e géis de carboidrato. Também amo paçoca (um doce brasileiro feito de amendoim), me ajuda bastante nos treinos.

PLANO DE GLICOSE E HIDRATAÇÃO DURANTE EXERCÍCIO INTENSO

O ponto inicial é sempre a glicemia antes do treino. É ela que vai me dizer o que devo fazer. Se a glicemia está abaixo da meta, como e espero estar normalizada para iniciar. Se está dentro da meta, porém mais próximo de 70 do que de 180, como um pouco de carboidrato, não aplico insulina para essa quantidade e vou treinar. Se está dentro da meta porém próximo de 180, inicio o treino sem comer e espero para comer no meio do treino. Se está acima de 180, corrijo com ultrarrápida e início quando ela entra na meta. 

Esse é apenas o início, mas vou verificando a glicemia constantemente durante os treinos e após. Sempre que há necessidade de uma correção com insulina ou carboidrato, faço em tempo hábil para que eu não precise parar por risco de uma hiper ou hipoglicemia.

Glicose antes, durante e depois da corrida ou treino

O mais complicado por correr convivendo com diabetes é que uma pessoa sem diabetes só precisa se preocupar com kms corridos, altimetria, batimentos cardíacos e tempo. Com diabetes, penso em todos esses números, somados aos de carboidratos que devo ingerir, glicemia antes, durante e depois, doses de insulina. Mas por me obrigar a prestar bastante atenção na glicemia, tenho os momentos exatos de suplementação (o que me dá vantagens contra pessoas sem diabetes). O grande segredo é saber a glicemia antes, durante e depois, a partir do valor no glicosímetro, posso tomar medidas para manter controlado.

Alimentação e glicose antes de uma ultramaratona

Quando estou em ultramaratonas com apoios (amigos que me ajudam de bicicleta ou carro), as comidas e bebidas ficam com eles e sempre que preciso vou consumindo. Hoje utilizo a bomba de insulina com sensor integrado a ela, portanto tenho as glicemias na minha cintura o tempo todo durante a corrida. Preciso comer os carboidratos para evitar hipoglicemias, monitorando para não ter hiperglicemias, mas preciso deles para um bom rendimento nas corridas, portanto vou olhando os tempos certos e consumindo os carboidratos necessários com as correções necessárias. Por exemplo, em uma ultramaratona de 100km, consumi cerca de 750g de carboidratos com doses de insulina reduzidas. A prova durou 12horas e tive glicemias constantes entre 84mg/dl e 162mg/dl.

PROJETOS E SONHOS PARA O FUTURO

Pretendo trabalhar em nutrição esportiva e educação em diabetes através da nutrição. Meu sonho é poder ajudar pessoas a chegar em controles glicêmicos e resultados nas corridas como eu cheguei e, inclusive, me superar. Como atleta, tenho alguns sonhos. Concluir todas as majors (as principais maratonas do mundo) e fazer ultramaratonas cada vez maiores e mais desafiadoras.

Você pode encontrar Hugo no Instagram e segui-lo em sua conta @dm1atleta.

WRITTEN BY Lucía Feito Allonca de Amato/ Eugenia Araiza, POSTED 02/01/22, UPDATED 03/24/22

Eugenia é formada em Nutrição, é Educadora de Diabetes e Treinadora de Saúde. Ela foi diagnosticada com diabetes Tipo 1 aos 16 anos de idade. Ela é a criadora do Diabetes Saudável. Eugenia gosta de estudar e ajudar outros a administrar seus diferentes tipos de diabetes, assim como de atualizar sua prática nutricional. Ela gosta especialmente de escrever sobre o impacto do diabetes em sua vida. Ela é autora do livro infantil Soy Diferente y Me Gusta . Ela vive rodeada de amor em uma família composta por Luis Felipe, que vive com diabetes LADA, e seu filho adolescente. Lucy vive com diabetes Tipo I há quase 30 anos e faz parte da equipe por trás das propriedades hispânicas do Tipo 1. Ela é formada em Direito e tem dupla nacionalidade espanhola e argentina. Ela é parte ativa da comunidade online de diabetes, a partir de seu blog Azúcar HADA. Ela é formada em Psicologia, é uma paciente especialista em doenças cardiometabólicas crônicas e uma ativista pelos direitos das pessoas LGBTQ+.