A VIDA COM DM1: UM ENSAIO FOTOGRÁFICO
Quando eu comecei a namorar com o meu marido, o Tom, eu não tinha ideia de para que servia o pâncreas, muito menos a diferença entre diabetes tipo 1 e tipo 2. O DM2 é uma epidemia que está crescendo no mundo e costuma ser causado por hábitos alimentares, sedentarismo, genética, entre outros. É uma condição a respeito da qual, infelizmente, estamos acostumados a ouvir falar regularmente. Mas e as milhões de pessoas que vivem com DM1? Parece que elas não são levadas em conta nas discussões.
As duas condições resultam de problemas com a insulina, um dos hormônios utilizados pelo corpo para regular os níveis de açúcar no sangue. As semelhanças param por aí, no entanto. Basicamente, o diabetes tipo 2 tem a ver com a resistência à insulina: o pâncreas a produz, mas o corpo não consegue utilizá-la corretamente. O DM2 pode ser controlado com uma combinação de alimentação, exercícios e remédios antes das aplicações de insulina serem necessárias (se forem). Por outro lado, o DM1 é uma condição autoimune (que é frequentemente diagnosticada cedo; no caso do Tom, foi quando ele tinha dois anos) em que o pâncreas para totalmente de produzir o hormônio. As pessoas que vivem com DM1 dependem de injeções de insulina para baixar a glicemia. A insulina não é uma cura, ela só permite que as pessoas que vivem com DM1 sobrevivam.
O diabetes tipo 1 pode trazer complicações graves, tanto a curto quanto a longo prazo. Aplicar insulina demais pode causar uma queda nos níveis de açúcar no sangue (hipoglicemia), que por sua vez pode resultar em convulsões, coma e, em circunstâncias extremas, morte. Já a falta de insulina causa aumentos nos níveis de açúcar no sangue, o que pode levar a um quadro de cetoacidose diabética (também conhecida pela sigla em inglês DKA), um evento possivelmente fatal em que o sangue fica com acidez elevada. As potenciais complicações de longo prazo são igualmente assustadoras: só para mencionar algumas, cegueira, falência renal e amputações.
Viver com DM1 é estar para sempre na corda bamba. A meta é conseguir manter os níveis de açúcar no sangue em um valor ideal, sem subir nem cair muito. É impossível, no entanto, imitar o pâncreas, mesmo furando várias vezes o dedo para verificar e verificar de novo a glicemia, dosando meticulosamente as aplicações de insulina e fazendo-as na hora certa, contando carboidratos e considerando uma infinidade de outros fatores. Algumas coisas que podem influenciar os níveis de açúcar no sangue incluem, mas não se limitam, as seguintes: todos os alimentos (saudáveis ou não), estresse, imprecisões na dosagem/hora de aplicação da insulina, desidratação, exercícios físicos, clima, sono (em excesso ou em falta), rotina inconsistente, hormônios, cafeína, doenças… e a lista continua.
Preciso trabalhar diariamente para controlar a minha ansiedade com a condição de Tom ao mesmo tempo em que o apoio (mas não de maneira excessiva). A hipoglicemia, em especial, é um desafio constante para mim. Por viver com o DM1 há mais de 33 anos, Tom desenvolveu uma condição que faz com que ele não perceba mais os sintomas (tremores, tontura, sudorese) que servem como alerta de quando os níveis de açúcar no sangue estão caindo. Fico preocupada com a possibilidade dele ter uma hipoglicemia enquanto dirige, dorme ou quando eu não estiver ao lado. Fico preocupada com tudo.
Eu penso com frequência sobre como é injusto que as pessoas que vivem com DM1 nunca tenham uma folga dessa condição tão complexa e implacável. Você não pode tomar um remédio e esquecer dela por algumas horas. Imagine ter que realizar todos os cuidados sem uma receita — o DM1 se comporta de forma diferente para cada pessoa e circunstância. Ele exige atenção integral, então as pessoas podem se sentir exaustas e solitárias. Já falei para o meu marido que eu gostaria de poder trocar de lugar com ele, nem que fosse por apenas um dia, para que ele pudesse experimentar a liberdade de viver sem ter que pensar sobre o açúcar no sangue.
Dito isso, Tom é o cara mais feliz do mundo. Fico maravilhada com sua força, seu comprometimento com a própria saúde (especialmente quando as coisas ficam difíceis, o que acontece a maior parte do tempo), sua alegria pueril com relação à vida. Como ele se recusa a se render à amargura. Cada dia com ele é cheio de aventuras e gargalhadas. Sim, o DM1 está sempre lá, à espreita, mas não é algo que o defina. Ele não deixa.
Documentar a vida com DM1 foi uma experiência catártica para mim, e espero poder ajudar a trazer mais conscientização (por menor que seja) sobre as dificuldades pelas quais passam todas as pessoas que vivem com DM1 e suas famílias.
Uma pequena tatuagem no antebraço direito de Tom tem um enorme significado. É uma homenagem à sua força vital: C257H383N65O77S6 é a fórmula química da insulina sintética que ele vem usando pela maior parte de sua vida.
Tom enchendo o reservatório de sua bomba de insulina, que ele usa o tempo todo. Um tubo liga a bomba ao local de aplicação, localizado em seu abdômen (o local precisa ser alterado após alguns dias para evitar alterações no tecido subcutâneo). Ali, uma pequena cânula aplica a insulina diretamente na corrente sanguínea. Um pâncreas saudável produz insulina basal (uma dose baixa) constantemente, a cada poucos minutos, durante todo o dia, e aumenta ou diminui a quantidade automaticamente com base na glicose presente no sangue no momento. Quando o corpo precisa de mais insulina para compensar o aumento na glicemia que acontece quando nos alimentamos, ele também produz insulina bolus (uma quantidade maior). Um pâncreas saudável monitora de forma excepcional a quantidade exata de insulina necessária para processar a glicose que chega no sangue. No diabetes tipo 1, o pâncreas não consegue produzir insulina basal nem bolus, então é preciso aplicar insulina sintética por meio de injeções ou de uma bomba, como no caso de Tom.
O problema, é claro, é a quantidade de insulina que precisa ser aplicada. A bomba é uma tecnologia que mudou a vida de Tom e de muitos outros; até os 15 anos de idade, ele aplicava injeções manualmente em si mesmo. É importante lembrar, no entanto, que a bomba não é um aparelho que pensa por si. Ela facilita muito a aplicação da insulina, mas as decisões com relação à dosagem precisam ser feitas pelo Tom.
Conteúdo da gaveta de insumos para diabetes de Tom. Não se sabe exatamente o que desencadeia o surgimento do diabetes tipo 1. Estudos mostraram que a genética influencia, pois há uma predisposição inerente, mas o mecanismo exato que faz com que o sistema imunológico se volte contra o próprio corpo e destrua as células beta do pâncreas, responsáveis pela produção de insulina, não é conhecido. Diferente do diabetes tipo 2, o DM1 não tem nenhuma relação com a alimentação ou o sedentarismo e costuma ser diagnosticado na infância.
Quando Tom está dormindo, é difícil controlar a minha ansiedade. Ele está apenas dormindo mesmo? Está consciente? Ele está cochilando porque está cansado ou porque está tendo uma hipoglicemia? Admito que minha preocupação já levou a melhor várias vezes. No começo do nosso relacionamento, eu o acordava para falar coisas tipo “olha como o cachorro está sendo fofo”, só para me certificar que ele não estava com a glicemia baixa demais ou inconsciente. Não preciso dizer que essa estratégia não funcionou muito bem. O DM1 afeta a família inteira, e ainda é difícil para mim saber quando é hora de agir para ajudá-lo e quando estou exagerando e preciso deixar a preocupação de lado.
Uma das bombas de insulina que Tom usou nos últimos 21 anos. Quando ela foi removida, decidimos desmontá-la para ver como era por dentro. Costumam confundir a nova bomba dele com um pager, assim como faziam com esta, o que sempre nos faz rir.
Nesta foto, Tom está inserindo o sensor de seu monitor contínuo de glicose. Um pequeno eletrodo mede o nível de açúcar no fluido intersticial uma vez a cada 5 minutos. Ele se conecta a um transmissor que envia os dados por meio de uma frequência de rádio sem fio para um dispositivo de monitoramento, que exibe os resultados. Essa nova tecnologia mudou completamente os cuidados dele com o DM1, pois além de dar uma boa ideia de como está a glicemia de Tom, o monitor também dispara um alarme quando certos níveis (altos ou baixos) são atingidos. O dispositivo não é totalmente preciso (há um intervalo entre a passagem da glicose do sangue para o fluido intersticial, então as medições não são exatamente instantâneas) e não substitui os furos no dedo (é preciso calibrá-lo diversas vezes), mas é uma ferramenta útil e potencialmente salvadora. Ouvir o alarme disparar como uma buzina às 3h da manhã é uma forma chocante de acordar, mas bem-vinda… pelo menos para mim.
É difícil para as pessoas que vivem com diabetes não se sentirem como uma almofada de alfinetes de vez em quando, com todos os furos no dedo e ocasiões em que um vaso sanguíneo é atingido durante a inserção do sensor do monitor contínuo de glicose, como na foto acima.
O DM1 é uma condição invisível e pouco compreendida. Algumas das coisas que Tom costuma ouvir são: “Nem parece que você tem diabetes”, “Mas você é magro”, “Você pode comer isto?”, “Que droga, você não pode comer açúcar”. Muitas pessoas cometem o erro de agrupar o DM1 com o DM2, o que é compreensível (e algo que eu também fazia antes de conhecer o Tom), já que ambos têm o mesmo nome. Várias pessoas da comunidade do DM1, e eu também, acreditam que as condições deveriam ter nomes diferentes. Já tem muita confusão com relação ao diabetes, então seria benéfico para as pessoas que vivem tanto com DM1 quanto com DM2 se houvesse mais conscientização e informações para o público.
Tom enchendo a bomba de insulina e preparando o tubo antes de realizar a inserção.
Nossos dias são cheios de números que sobem e descem, e este é um que não gostamos de ver. 65 já é um valor baixo o bastante para que seja preciso usar carboidratos de ação rápida. Às vezes, quando Tom faz um furo no dedo, eu fico tentando olhar o número que aparece no glicosímetro. A intenção é boa, claro, mas eu preciso lembrar de respeitar o espaço do Tom e a capacidade dele de cuidar de si próprio. O corpo é dele, afinal de contas, e ele sobreviveu a maior parte da vida perfeitamente bem sem mim. Uma vez ouvi que, para os parceiros de pessoas que vivem com diabetes, o DM1 é como se fosse um enteado, e isso faz bastante sentido para mim. Embora a condição vá fazer parte da minha vida para sempre e é importante que eu me envolva até certo ponto, o DM1 sempre será de Tom, e só dele.
Tom usa sucos de caixinha quando sua glicemia está baixa para saber exatamente quantos carboidratos ele está ingerindo.
Tom participou de um estudo sobre pâncreas artificiais na Universidade de Chicago. Os pesquisadores estão desenvolvendo um algoritmo que conecta a bomba de insulina a um monitor contínuo de glicose para que a quantidade necessária de insulina seja aplicada automaticamente, deixando o processo totalmente automatizado. Isso pode ajudar muito as pessoas que vivem com DM1, pois fará com que elas não precisem ficar pensando nos níveis de açúcar no sangue o tempo todo. Não é uma cura, mas é o que chega mais perto.
Suco de maçã ao resgate.
Tom passou três dias no hospital com a glicemia sendo monitorada a cada 5 minutos enquanto uma equipe de pesquisadores trabalhava no algoritmo ao lado da cama dele (até mesmo enquanto ele dormia).
O unicórnio: uma linha reta de medições estáveis dos níveis de açúcar no sangue no monitor contínuo de glicose do Tom.
O DM1 é uma condição cruel e exigente. Pode ser que você faça tudo certo e ainda assim esteja com um nível de açúcar no sangue inexplicável. É muito fácil se sentir culpado, ficar para baixo e se preocupar com potenciais complicações. Mas o mais importante, como Tom me ensinou, é viver a vida do seu jeito. A linha reta acima é, sim, causa para celebração, mas não é algo comum no dia a dia de quem vive com DM1. Na verdade, não há um dia a dia comum. Você só pode fazer o melhor possível e aproveitar a vida.
Este artigo foi publicado originalmente no blog Anne Marie Moran.