Situação do diabetes no Brasil e a importância da linguagem


 

Nesta entrevista, vamos conhecer Lucas Xavier, representante da América Latina no IDF– De sua mão, vamos repassar a situação deste país no contexto da América Latina, os principais mitos e falsas crenças sobre o diabetes neste território , e o estado do movimento para a importância da linguagem.

LUCAS XAVIER E SUA CARREIRA

Como representante da América Latina na IDF, pude contribuir para a construção e implementação de diversos projetos relacionados ao diabetes na região da América do Sul e Central (SACA). Mesmo antes de me tornar representante da região, pude participar anteriormente do treinamento de Jovens Líderes em Diabetes (YLD) da International Diabetes Federation (IDF), que me forneceu ferramentas, habilidades e conhecimentos para me capacitar e fazer a diferença na minha Associação de diabetes, ADJ Diabetes Brasil e nos locais onde atuei como agente de mudança. Logo fui selecionado pelos outros jovens líderes da Região SACA para ser o representante e ajudar outros líderes em diabetes a desenvolver seus projetos para causar impacto em suas comunidades e suas respectivas associações. Hoje, os projetos estão relacionados a Advocacy, Conscientização, Educação, Atividade de Pares, Acampamentos de Diabetes e Esportes. Cada jovem líder da região impacta positivamente sua associação de uma forma diferente, o que contribui para todos da comunidade.

Todo jovem líder tem que desenvolver um projeto para completar a formação do YLD, o meu foi a Liga de Enfermagem em Atenção ao Diabetes (LEAD) da Escola de Enfermagem (Universidade de São Paulo).

O projeto consiste em capacitar futuros enfermeiros para aprender mais sobre diabetes, que é pouco discutido na graduação, e entender mais sobre como essa profissão que desempenha um papel fundamental na educação em diabetes, do qual foi tema da Campanha do Dia Mundial do Diabetes em 2020. A iniciativa já tem 4 anos e tem impactado não só os alunos da LEAD, mas outros alunos de diversas faculdades e profissionais que participam de eventos abertos ao público que ensinam mais sobre diabetes e enfermagem com palestras, oficinas e simulações.

Em maio de 2019, fui convidado a representar a comunidade de jovens com diabetes através da IDF no painel “JOINING FORCES TO FIGHT CVD IN PEOPLE WITH DIABETES” que debateu como as doenças cardiovasculares podem impactar as pessoas com diabetes e que isso deve ser colocado na agenda à saúde pública, principalmente por conta dos fatores de risco relacionados a uma das duas principais condições crônicas não-transmissíveis (CCNTs) do mundo: diabetes e doenças cardiovasculares.

PERSPECTIVAS SOBRE O DIABETES NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

Antes de tentar entender as perspectivas sobre o diabetes na América Latina, é importante destacar a crise global de saúde causada pelo COVID-19, que impacta diretamente o diabetes e outras CCTNs. Várias pessoas com diabetes ficaram sem atendimento pelas equipes de saúde devido às barreiras impostas pela pandemia. Apenas 1/3 das pessoas com diabetes tinham políticas em vigor para serem protegidas, ou seja, que podiam acessar seus medicamentos e suprimentos em casa. Além disso, vários diagnósticos de diabetes foram negligenciados porque os serviços de saúde estavam fechados ou funcionando de forma reduzida, além de outros problemas causados pela pandemia. Dito isso, colocamos a importância científica que deve nortear as políticas públicas de saúde na América Latina acompanhadas e ouvidas pela Sociedade Civil. É de extrema importância que o governo entenda a importância de programas de saúde com que começaram sua implementação na América Latina, como o Programa Hearts, fortemente relacionado ao diabetes e à hipertensão por meio do fortalecimento dos níveis de atenção à saúde. No Brasil, as tendências são cada vez mais agravantes, pois as políticas públicas estão sendo atacadas, fragilizando o Sistema Único de Saúde que foi abalado pela pandemia. A tendência é um maior número de pessoas com diabetes no país a cada ano, destacando para os casos de diabetes infantil, principalmente relacionada à obesidade. Há muito a ser feito, mas a sindemia das pandemias de COVID-19 e Notícias Falsas associadas à epidemia de diabetes só apontam para cenários piores para a população latina.

A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM

Ainda há muita resistência de alguns educadores em diabetes, influenciadores e até mesmo pessoas que têm diabetes em entender a importância da linguagem. Muito mais do que isso, é entender os diferentes contextos que esse tema deve ser aplicado e que não são recomendações gerais, mas orientações claras e diretas sobre como dizer e fazer a melhor conversa com uma pessoa com diabetes, pois hoje em dia não é mais necessário sofrer de diabetes ou culpar outra pessoa pode não estar cumprindo as metas estabelecidas no controle da glicemia. É importante que haja empatia na comunicação com a pessoa que vive com diabetes (PLWDs). A linguagem é ampla e pode impactar de diversas formas, e deve ser incluída no próprio cuidado com o diabetes. As palavras têm poder, basta saber como vamos usá-las. 

No Brasil, já houve várias campanhas relacionadas à linguagem, nas redes sociais, palestras em associações, e abro parenteses para contar de um amigo meu que é médico que teve a ideia de abraçar pessoas que falavam o termo “diabético” para chamar a atenção de quem usava esse termo, tentando ensinar essas pessoas não usarem o termo, a campanha ficou conhecida como Blue Hug. Mas, um dos trabalhos mais expressivos na área que acompanhei foi o lançamento do Material “Linguagem Importa” do FórumDCNTs. A iniciativa, totalmente vinculada aos movimentos globais #languagematters e Obesity Action Coalition, enfatiza que o papel da escolha de palavras não pode ser minimizado, pois tem o potencial de aproximar ou distanciar, incluir ou excluir, mostrar respeito ou estigmatizar, abrir uma via de mão dupla. ou estabelecer barreiras hierárquicas ao relacionamento com pessoas que vivem com CCNTs.

O movimento linguístico já era forte no Brasil relacionado a doenças transmissíveis como a AIDS, e as campanhas que recomendavam o não uso do termo “aidético” ganharam força. Mas em relação ao diabetes, já existe um senso coletivo entre os educadores em diabetes sobre a existência do tema, mas talvez nem todos realmente entendam a necessidade de incorporar as recomendações no cuidado integral a pessoas que vivem com diabetes. Enquanto a campanha e os materiais científicos ainda estão sendo desenvolvidos, os próximos passos são a realização de oficinas de capacitação sobre linguagem e vídeos impactantes sobre o tema.

MITOS SOBRE O DIABETES NO BRASIL

– Chás que curam o diabetes: existem muitas crenças relacionadas à cura do diabetes ou ao controle do diabetes, o que não é comprovado cientificamente, mas ainda assim muitas pessoas de má influência tentam vender produtos com curas milagrosas.

– Insulina vicia: a necessidade de uso crônico de insulina é muitas vezes entendida como algo que pode ser prejudicial a longo prazo ou até mesmo para pessoas com diabetes tipo 2  pode parecer algo que a pessoa não está “evoluindo” no manejo do diabetes e ela tem que tomar insulina como punição ou que ela está muito mais “doente”.

– A insulina engorda: ao ajustar o controle do diabetes ou mudar o tipo de tratamento para algo que conte carboidratos (esquema basal/bolus ou bomba de insulina) as pessoas ficam animadas e comem mais do que o normal e acabam ganhando peso, mas atribuem esse fato ao maior uso de insulina e não ao alto nível de ingestão calórica.

AJUDE-SE E AOS PROJETOS

Liderar pelo exemplo e ajudar a criar novos líderes em diabetes pode ajudar muitas comunidades. Por meio da juventude, é possível alcançar e mudar realidades que não podem mais ser aceitas. Vidas e horas de bem-estar devido à ausência de políticas de saúde que protejam nossa família, amigos e comunidade não podem mais ser aceitas. Devemos apoiar a mudança para melhorar nosso estilo de vida e o acesso à saúde e à educação. Aproveitar a oportunidade que a pandemia está criando para reescontruir de uma melhor forma.

Um projeto no qual estou trabalhando atualmente é Correndo pelo Diabetes. O projeto é um programa de treino de corrida, com treino de caminhada/corrida, fortalecimento, yoga, palestra, acompanhamento com educadores em diabetes e encontros de corrida. Além do ambiente super acolhedor, é possível melhorar muito seu desempenho na corrida enquanto gerencia sua diabetes e saúde em geral.

Além disso, devo destacar o Fórum Intersetorial de Combate às DCNT no Brasil. O FórumDCNTs tem liderado diversas parcerias entre o setor público, privado e terceiro setor no combate a diversas condições não transmissíves, mas principalmente o diabetes. Criando com competência novas oportunidades para a melhoria da saúde no país, a iniciativa lidera as políticas de saúde na área.

“Obrigado por aproximar a comunidade de Diabetes Tipo 1 de todo o mundo. Saber que existem várias pessoas que querem melhorar a vida de outras e que estão passando pelos mesmos problemas gera motivação para ir cada dia mais longe. (Lucas Xavier)”

WRITTEN BY Lucas Xavier, POSTED 03/23/22, UPDATED 03/24/22

Lucas é enfermeiro estudante e Jovem Líder em diabetes representando a região do Brasil e da América Latina em programas de liderança nacionais e internacionais na Federação Internacional de Diabetes.