UM DIA COM DM1

 

APRENDENDO COMO É VIVER COM DM1

Durante toda a minha vida, estive cercada de pessoas próximas que vivem com diabetes tipo 1 – primeiro como irmã e depois como mãe. E, embora criar um filho que vive com DM1 certamente me fez ver bem como são os desafios de uma rotina de cuidados com essa condição complicada, foi só na semana passada que fui convidada a me colocar no lugar de uma amiga que vive corajosamente com DM1 há quase 30 anos.

Minha amiga e companheira de conselho da JDRF casualmente me fez o convite por uma rede social: “14 de novembro é o Dia Mundial do Diabetes”, começou Pamela, “e eu gostaria que você visse em primeira mão como são alguns dias de uma pessoa que vive com DM1”.

Seria um experimento. Durante dois dias e meio, eu receberia uma mensagem de texto a cada vez que a minha amiga fizesse qualquer coisa relacionada com a sua rotina de cuidados com o diabetes ou até mesmo quando ela precisasse parar e pensar sobre isso.

Vou ser honesta: meu principal receio sobre o experimento se referia às noites. Eu me perguntava como reagiria se fosse acordada de madrugada por uma mensagem falando que a glicemia dela estava baixa demais. A privação de sono foi um enorme desafio para mim durante os mais de doze anos em que eu configurava meu alarme para despertar e verificar os níveis de açúcar no sangue do meu filho durante a noite. A ida dele para a faculdade, há três anos, foi o que trouxe um fim abrupto a esse hábito tão antigo. Eu estaria disposta a passar novamente pelos despertares noturnos e a exaustão que vinha no dia seguinte?

Mas, no fim das contas, minha curiosidade sobre como seria o projeto foi maior do que o medo da possibilidade de ficar sem dormir. Eu respondi “estou dentro” e, depois de alguns dias, o experimento começou.

Havia 26 pessoas no grupo de mensagens, incluindo outros dois membros da equipe da JDRF. Algumas delas já sabiam bastante sobre como é uma rotina de cuidados com o diabetes, mas outras sabiam muito pouco.

Desde que eu aceitei participar, o experimento se tornou algo sagrado para mim. Eu sabia que estava recebendo a chance de entrar no mundo particular da minha amiga e não iria desperdiçá-la. Meu telefone ficaria ao meu lado, com o som ligado, e eu iria checá-lo no instante em que recebesse uma mensagem, independentemente do que eu estivesse fazendo, para ver se era dela.

A glicemia pode nos deixar um pouco neuróticos. Mesmo assim, estou verificando. Olhei duas vezes na última hora, já que é um dia atípico.

É muito mais fácil pensar com clareza quando a glicemia está controlada. Eu sabia que ontem seria difícil por causa da viagem, então estou super grata por estar na meta hoje

UMA NOVA MENTALIDADE

Fiquei surpresa ao perceber que instintos maternais e protetores com relação à Pamela, que é mais minha amiga do que minha filha, haviam despertado. Na primeira noite, eu dormi mal, pensando nela durante toda a madrugada e me perguntando como ela estava. De certa forma, me senti responsável por ela, similarmente a como eu me sentia com relação ao meu filho. Essa primeira noite foi um lembrete poderoso da forte ligação que une a todos na comunidade de DM1 e faz com que sejamos mais como uma família do que simples amigos.

Claro, eu já esperava receber muitas mensagens de texto durante o período de 60 horas. Afinal de contas, eu tinha coordenado os cuidados com o diabetes para o meu filho por mais de uma década, então sei como a rotina é complicada. Não fiquei surpresa, então, por receber 48 mensagens – mas a natureza delas me surpreendeu.

Quando meu filho era muito jovem, ativo e estava crescendo rapidamente, a glicemia dele subia e caía drasticamente durante o dia e a noite, então passávamos mais tempo reagindo aos níveis medidos do que sendo proativos. Realizar o controle da glicemia com uma abordagem reativa sempre vai resultar em mais resultados inesperados e sono interrompido.

Para a minha surpresa, as noites foram bastante tranquilas. Isso não aconteceu porque fica mais fácil realizar os cuidados com o diabetes quando se chega na idade adulta. O que aconteceu foi que o volume de decisões informadas que a minha amiga tomou ao longo do dia permitiu que o controle glicêmico dela fosse muito melhor e, como resultado, ela conseguisse mais tempo de sono para descansar.

Quando o meu filho era pequeno, nos diziam para buscar um resultado abaixo de 8% no exame de hemoglobina glicada (A1C), preferencialmente o mais próximo de 7% possível. Estranhamente, no entanto, nós não reavaliamos a meta para o exame de A1C conforme ele crescia. Até agora, ele, que mede mais de 1,90 metro, ainda procura, e normalmente consegue, obter um A1C de cerca de 7,2%.

 

Já a Pamela tem uma meta completamente diferente. Ela estabelece como objetivo um A1C de 6%, o que demanda uma quantidade incrível de trabalho proativo (o último resultado dela foi um impressionante 5,9%).

 

Na mesma hora eu percebi que a maior parte das mensagens dela não falava sobre ações para responder a um valor de glicemia medido naquele momento ou um prato de comida já servido. A maioria das mensagens que ela nos enviou focava em avaliações proativas e preditivas sobre eventos futuros:

  • “O estresse de um dia de viagem enfrentando as filas e medidas de segurança do aeroporto com certeza vai fazer a minha glicemia subir; é melhor ficar atenta.”
  • “Dois dias de reuniões longas vão fazer a minha glicemia subir; vou incrementar o valor basal e checar uma vez por hora para verificar se o cálculo está certo.”
  • “Para evitar um pico na glicemia, sempre espero 15 minutos depois de uma aplicação de insulina bolus para começar a comer.”
  • “Eu verifico o meu monitor contínuo de glicose uma vez por hora depois de uma aplicação de insulina bolus, principalmente à noite, para não ser surpreendida por uma mudança na glicose três horas depois.”
  • “Uma queda na glicemia causou uma alta indesejada pouco tempo depois. Para deter essas instabilidades na glicose, decidi comer um jantar sem carboidratos. Os níveis de açúcar no sangue sempre influenciam as minhas escolhas alimentares.”

Uma das coisas que mais me marcaram foi algo que ela compartilhou no começo do experimento. Durante uma de suas refeições, que ela comeu sozinha no aeroporto, ela fez o pedido, aplicou insulina e começou a esperar os 15 minutos necessários para que a insulina fizesse efeito. Mas ela estava em um restaurante de aeroporto, onde as pessoas normalmente estão com pressa, então o prato chegou na mesa dela em menos de seis minutos.

Isso ia ser problemático.

Lá estava a minha amiga, sozinha, precisando tomar uma decisão: eu começo a comer agora, antes da minha insulina ter tido tempo de fazer efeito, ou espero mais nove minutos, olhando a comida esfriar? Tenho certeza que você já conhece a minha amiga o suficiente para saber o que ela resolveu fazer.

ENTENDENDO A DIFERENÇA

O raciocínio dela era simples, mas me atingiu em cheio: “É muito mais fácil pensar com clareza quando a glicemia está controlada.”

Pensar na Pamela sentada na frente do prato de comida, com fome, mas optando por se conter para manter a mente clara mais tarde, me moveu de uma maneira que eu mal consigo descrever. Foi uma angústia misturada com indignação por conta da complexidade dessa condição. Ela decidiu esperar não só por causa dos efeitos perigosos que uma glicemia alta ou instável pode causar no corpo a longo prazo, mas também porque sabe por experiência pessoal que, quando os seus níveis de açúcar no sangue sobem muito, ela não consegue pensar com clareza.

Eu sabia que uma glicemia alta afeta a capacidade de pensar com clareza, mas nunca tinha ouvido ninguém descrever a questão de forma tão sucinta. Meu filho nunca falou desses detalhes comigo, provavelmente por receio de que eu começaria a exigir exames de sangue antes de cada prova na escola. A Pamela me deu uma outra perspectiva sobre os desafios cognitivos que as pessoas que vivem com DM1 enfrentam. A injustiça dessa condição sempre me impacta de maneiras novas e profundas.

Na minha amiga, no entanto, não há traço de autopiedade. Ela relata os fatos e nos mostra um pouco de seus pensamentos. O que fica claro é que o DM1 está quase sempre em sua mente. É assim que ela consegue manter um controle glicêmico tão rigoroso. Nela, eu vejo mais do que a força e a coragem que vejo em tantos outros que vivem com DM1. Vejo determinação e resiliência.

E isso faz toda a diferença.